"Eu estava morrendo", disse o escritor Salman Rushdie ao prestar depoimento, nesta terça-feira (11), no julgamento do suposto autor do ataque que quase lhe custou a vida em 2022 e no qual perdeu um olho.
O escritor, que desde então usa óculos com uma das lentes escurecida, contou ao júri o que viveu naquele 12 de agosto, quando o americano-libanês Hari Matar o atacou com uma faca de 15 centímetros, desferindo uma dúzia de golpes no rosto, pescoço, abdômen e em uma coxa.
"Pensei que estava morrendo", relatou Rushdie, que afirmou que estava em meio a um "lago de sangue" ao ser retirado de maca do prestigioso centro cultural Chautauqua Institution, em Nova York, para ser levado de helicóptero a um hospital.
"Percebi que essa pessoa se lançava sobre mim pelo lado direito", disse. "Só o vi no último momento", declarou ao júri no tribunal do condado de Chautauqua, na pequena cidade de Mayville, onde as medidas de segurança foram reforçadas devido à presença do escritor.
Após mostrar ao júri como ficou seu olho, descreveu o golpe como "intensamente doloroso" e que o fez "gritar de dor". A facada partiu seu nervo óptico.
Matar foi preso no palco do anfiteatro da Chautauqua Institution, onde o autor de "Versos Satânicos" - obra que lhe rendeu uma fátua (mandato religioso) de condenação à morte emitida pelo líder supremo do Irã, aiatolá Ruhollah Khomeini, em 1989 - se preparava para dar uma palestra diante de mil pessoas.
- Olhos "ferozes" -
O escritor, de 77 anos, descreveu Matar durante o ataque, em que ele usava uma máscara: "Os olhos dele chamaram muito minha atenção, eram escuros e me pareceram muito ferozes", disse.
"Ele me golpeou com muita força aqui, na parte inferior do rosto, mandíbula e pescoço", relatou Rushdie, apontando para a garganta e o queixo. "A princípio, achei que ele tinha me batido."
A defesa de Matar tem se esforçado para evitar que as testemunhas caracterizem o escritor britânico-americano como vítima de perseguição pela fátua iraniana.
Ao entrar no tribunal, Matar, de 27 anos, gritou "do rio ao mar, a Palestina será livre" e não reagiu quando Rushdie começou seu depoimento.
O réu também enfrenta acusações de terrorismo em um tribunal federal por apoiar a milícia libanesa Hezbollah, respaldada pelo Irã, que endossou a fátua.
Ele declarou à imprensa que havia lido apenas duas páginas do romance de Rushdie, no qual, segundo ele, o autor "atacava o islamismo".
Jordan Steves, funcionário do centro cultural, contou na segunda-feira que se jogou contra o agressor com seu "ombro direito, com toda a força" que pôde, tentando ajudar outros a imobilizá-lo.
"Depois de voar pela cena, rolei pelo ar", disse, antes de apontar Matar como o agressor na ornamentada sala do tribunal, decorada com pinturas a óleo.
Deborah Moore Kushmaul, colega de Steves, afirmou que pegou a faca do chão e a entregou à polícia.
"Eu via sangue e as pessoas se aglomerando. Nosso público, que em grande parte era formado por idosos, gritava", contou. "Minha maior preocupação era que pudesse haver uma bomba nas bolsas ou outro atacante."
O escritor narrou em sua obra "Faca: Reflexões sobre um atentado", publicada em abril do ano passado, como superou o ataque. No livro, ele mantém uma conversa imaginária com seu agressor, cujo nome não menciona, sobre suas crenças e motivações.
Antes do ataque de Matar, Rushdie já havia sido alvo de mais de meia dúzia de tentativas frustradas de assassinato.
Após viver com escolta e escondido em Londres por vários anos, Rushdie se mudou para Nova York em 2000, onde desde então levava uma intensa vida social.
* AFP