A deportação para El Salvador de imigrantes detidos nos Estados Unidos e seu encarceramento em uma megaprisão para membros de gangues cria "um buraco negro" sem proteções legais, alertam defensores dos direitos humanos preocupados com a aliança anti-imigração entre os dois países.
Os presidentes de El Salvador, Nayib Bukele, e dos Estados Unidos, Donald Trump, consolidaram na segunda-feira (14), na Casa Branca, uma aliança que permite a Washington continuar enviando para El Salvador imigrantes acusados de serem criminosos, sem apresentar provas.
Pelo menos 265 imigrantes, em sua grande maioria venezuelanos, foram deportados pelos Estados Unidos para El Salvador desde março e encarcerados no Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot).
Considerado o presídio mais grande da América Latina, o Cecot impõe um regime severo de reclusão. Abriga cerca de 15 mil salvadorenhos acusados de pertencer a gangues violentas, e agora também migrantes venezuelanos. Eles estão incomunicáveis e não podem receber visitas.
"O que se está tentando criar aqui é uma Guantánamo com esteroides (...) um buraco negro onde não haja proteção legal para as pessoas que lá se encontram, e isso é gravíssimo", advertiu à AFP o subdiretor para as Américas da ONG Human Rights Watch (HRW), Juan Pappier.
Trump afirmou nesta terça-feira que "adoraria" inclusive enviar cidadãos americanos que cometam crimes violentos ao Cecot. "Aqueles que cresceram e algo deu errado e batem nas pessoas com um taco de beisebol e empurram gente no metrô", disse, segundo trechos de uma entrevista à Fox Noticias, um programa em espanhol que vai ao ar nesta terça.
A HRW entrevistou 40 familiares dos mais de 200 migrantes deportados para El Salvador e concluiu que são alvo de "desaparecimento forçado e detenção arbitrária".
Principal aliado na América Latina, Bukele foi recebido com honras na Casa Branca por colaborar com a política linha-dura de Trump contra os imigrantes.
"Estamos com muita vontade de ajudar", disse Bukele, ao que Trump respondeu: "Vocês estão nos ajudando. Agradecemos por isso".
- "Erro administrativo" -
O caso mais notório denunciado por ativistas é o do imigrante salvadorenho Kilmar Ábrego García, casado com uma cidadã americana. Ele foi preso nos Estados Unidos em 12 de março e expulso três dias depois para El Salvador junto a outras 230 pessoas.
O governo Trump acusa Ábrego de pertencer à gangue MS-13, declarada "organização terrorista" por Washington. Mas não apresentou provas.
Ábrego vivia nos Estados Unidos com status legal protegido desde 2019, quando um juiz determinou que ele não deveria ser deportado, pois corria risco em El Salvador.
Washington reconheceu perante um tribunal que sua expulsão foi um "erro administrativo".
Uma juíza americana ordenou seu retorno aos Estados Unidos, mas ambos os governos se recusam a agir.
A juíza Paula Xinis marcou uma nova audiência sobre o caso nesta terça-feira, após pedir inutilmente ao governo que informe "o paradeiro atual e o status" de Ábrego, assim como o que está sendo feito para "facilitar seu retorno".
- "Potencialmente indefinida" -
Segundo a HRW, a detenção dos deportados no Cecot - a maioria acusada de pertencer ao grupo criminoso venezuelano Tren de Aragua - "parece ser totalmente arbitrária e potencialmente indefinida".
A AFP entrevistou na Venezuela vários familiares de detidos que afirmam que eles não cometeram nenhum crime que justifique a prisão.
A venezuelana Alexis de Hernández, mãe de Andry Hernández Romero, de 31 anos, disse à AFP que seu filho "está preso injustamente" e que foi detido "apenas por ter algumas tatuagens".
O governo dos EUA afirma que as tatuagens comprovam sua ligação com a gangue Tren de Aragua, mas especialistas afirmam que a organização não utiliza tatuagens para identificar seus membros.
"Em El Salvador o governo chama de 'margem de erro' a detenção de pessoas inocentes, mas não são erros de forma alguma", afirmou o diretor da ONG Cristosal, Noah Bullock, em sua conta no X.
Nas ruas de San Salvador, alguns criticam as deportações, mas outros defendem a linha-dura de Bukele, muito popular em seu país devido à guerra contra as gangues.
Washington está enviando imigrantes para El Salvador "só por andarem manchados [tatuados]", lamentou Ricardo Rosales, um motorista de 32 anos.
Enquanto os Estados Unidos estão se "afastando" de muitos países, "estão se aproximando de El Salvador", e isso será de "grande benefício", afirmou Manuel Urrutia, engenheiro aposentado de 73 anos.
Bukele anunciou como um sucesso de sua visita à Casa Branca a assinatura de um acordo para que El Salvador integre o programa Global Entry, que permitirá aos salvadorenhos com visto "ingressar rapidamente" nos Estados Unidos.
* AFP