A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (26), tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) réu por tentativa de golpe de Estado, e a Corte vai levá-lo a julgamento, minando suas esperanças de voltar à Presidência.
Os cinco ministros da Primeira Turma do STF aceitaram por unanimidade a denúncia apresentada em fevereiro pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que acusou o ex-presidente, de 70 anos, de supostamente liderar uma organização criminosa que buscava impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para quem perdeu as eleições de 2022.
Em um país ainda marcado pela memória da ditadura militar (1964-1985), o julgamento contra o ex-presidente, que se declara um nostálgico daquele período, será histórico e tem potencial para sacudir a vida política do país nos próximos meses.
Bolsonaro, que pode ser condenado a cerca de 40 anos de prisão, classificou as acusações de "muito graves e infundadas" e rejeitou dar-se por vencido.
"Eu não estou morto ainda. Eu vou começar, vou voltar a andar pelo Brasil" para mobilizar os militantes da direita, prometeu.
Lula, por sua vez, disse nesta quinta-feira (27), após a decisão do Supremo, que espera que "a Justiça faça justiça".
"Se, nos autos do processo, ele [Bolsonaro] for inocente, que seja inocentado. Se ele for culpado, que seja punido", declarou Lula aos jornalistas no último dia de sua visita ao Japão.
"É visível que o ex-presidente tentou dar um golpe no país, [...] que ele tentou contribuir para o meu assassinato [...]. Prove que é inocente e vai ficar livre", acrescentou.
Em seguida, afirmou que Jair Bolsonaro "não tem como provar que é inocente", por isso "ele fica tentando fazer provocação ainda na sociedade brasileira".
O ex-presidente, que está inelegível até 2030, mantém a esperança de voltar a disputar as eleições presidenciais em 2026, diante da queda da popularidade de Lula.
Embora não haja um prazo legal, "há uma expectativa de que esse caso seja julgado ainda este ano", para não interferir nas eleições do ano que vem, disse à AFP o advogado criminalista Enzo Fachini.
- 'A ditadura mata' -
A trama golpista supostamente chefiada por Bolsonaro incluía medidas como a elaboração de um decreto para justificar um "Estado de Defesa" e, inclusive, o assassinato de Lula e do ministro Alexandre de Moraes, segundo a PGR.
O complô não teria sido consumado por falta de apoio do alto comando do Exército.
A investigação também vincula diretamente Bolsonaro aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando milhares de seus apoiadores invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, uma semana após a posse de Lula.
"A ditadura vive da morte, não apenas da sociedade, não apenas da democracia, mas de seres humanos de carne e osso, que são torturados, mutilados e assassinados toda vez que contrariam o interesse daquele que detém o poder", disse a ministra Cármen Lúcia, ao declarar seu voto a favor da denúncia.
Trata-se de uma "posição histórica sim, porque pela primeira vez em um regime democrático, o Brasil está fazendo o julgamento de uma tentativa de golpe de Estado", disse à AFP Márcio Coimbra, diretor do centro de pesquisa Casa Política.
"A história do Brasil é marcada de golpes de Estado, a gente já teve sete golpes militares no Brasil" e a sociedade "percebeu que mesmo que eles não fossem bem sucedidos, eles não eram julgados". "Eu acho que isso é uma evolução da democracia", acrescentou.
Conforme a decisão dos magistrados, além do ex-presidente, serão julgados sete colaboradores, incluindo ex-ministros, como Walter Braga Netto (Defesa) e Anderson Torres (Justiça), e o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.
Na terça-feira, no primeiro dia de deliberações, Bolsonaro apareceu inesperadamente e permaneceu com semblante sério na primeira fila do tribunal. Nesta quarta-feira, ele não compareceu.
- 'Interesse pessoal' -
"Há indícios razoáveis de recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República, que aponta Jair Messias Bolsonaro como líder da organização criminosa", disse o ministro Alexandre de Moraes nesta quarta-feira, antes de emitir seu voto.
A defesa de Bolsonaro havia solicitado o afastamento de três ministros do caso, incluindo Moraes, mas o Supremo rejeitou o pedido.
Alvo de um suposto plano de assassinato e à frente de várias investigações contra o ex-presidente, Moraes foi questionado por suposto "interesse pessoal" no caso.
Entre os outros ministros da turma do STF que decidiram seu destino estão Flávio Dino, ex-ministro da Justiça de Lula, e Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula e do PT.
- 'É o Jair, é o Messias, é o Bolsonaro' -
Bolsonaro está inelegível até 2030 por questionar sem provas a confiabilidade das urnas eletrônicas, mas confia em que sua pena seja revertida ou reduzida.
"É Jair, é Messias, é Bolsonaro", declarou nesta quarta-feira o ex-presidente ao ser questionado quem será o candidato da direita nas eleições de 2026.
Ele compara sua situação à do presidente americano, Donald Trump, que conseguiu voltar à Casa Branca apesar de seus problemas judiciais, e espera que ele exerça "influência" a seu favor.
A incerteza sobre seu futuro ocorre enquanto Lula, de 79 anos, mantém uma postura ambígua sobre suas intenções de disputar a reeleição.
Antes de retornar ao poder para um terceiro mandato em 2023, o presidente também teve problemas com a lei devido a um escândalo de corrupção que o levou à prisão, embora suas condenações tenham sido posteriormente anuladas.
* AFP