Um sobrevivente somali do pior naufrágio de imigrantes na travessia do Canal da Mancha, que matou pelo menos 27 pessoas em 2021, disse a uma comissão de inquérito britânica nesta terça-feira (4) que os serviços de resgate não conseguiram salvá-los porque eles eram "refugiados".
Issa Mohamed Omar, interrogado por vídeo por quase três horas pelos chefes de um inquérito público sobre o naufrágio, cujas audiências começaram na segunda-feira em Londres, relembrou a noite de 23 para 24 de novembro de 2021.
"Se a ajuda tivesse chegado rapidamente, metade [das vítimas] estaria viva hoje", disse o homem de 31 anos.
"Éramos refugiados, por isso acho que não veio nenhuma ajuda", disse o homem, que considerou que ele e os outros passageiros do barco foram "tratados como animais".
O naufrágio aumentou as tensões entre Paris e Londres, que culparam um ao outro.
O inquérito público britânico, que se concentra no papel das autoridades do Reino Unido e deve levar a recomendações, está correndo paralelamente aos processos judiciais franceses.
Na investigação francesa, sete militares foram acusados de não prestarem assistência a pessoas em perigo. Onze pessoas ligadas ao transporte desses migrantes também estão sendo processadas.
Vinte e sete corpos, em sua maioria curdos iraquianos, foram encontrados após o naufrágio. Entre as vítimas estavam sete mulheres e uma menina de sete anos, e quatro pessoas estão desaparecidas.
De acordo com várias fontes, havia 33 pessoas a bordo do barco improvisado, mas Issa Mohamed Omar diz que tem "100% de certeza" de que havia mais gente.
"Havia crianças que não foram contadas. O barco estava muito carregado", disse o somali.
Por cerca de uma hora e meia, um barco da guarda-costeira francesa os "seguiu" sem dizer nada, acrescentou.
O barco começou a afundar mais tarde, "por volta das 2h da manhã", de acordo com Issa Mohamed Omar.
O sobrevivente se lembra das inúmeras ligações feitas para os serviços de resgate britânicos, mas sem sucesso. "Na maioria das vezes", ninguém respondia, disse.
Mohamed Omar também se lembra de "gritos" na escuridão. "Várias pessoas se afogaram rapidamente quando viramos", acrescentou.
Quando o sol nasceu, cerca de dez migrantes ainda estavam vivos, de acordo com a testemunha, que foi resgatada por pescadores franceses após mais de dez horas na água.
Issa Mohamed Omar foi um dos dois sobreviventes.
* AFP