Os Estados-membros da ONU começaram, nesta segunda-feira (3), conversas "históricas" com vistas a elaborar a primeira convenção "universal" de cooperação fiscal para 2027, com a esperança de frear a sonegação de impostos e cobrar de forma justa as multinacionais e os mais ricos.
"Não se trata apenas de um exercício técnico, mas de um imperativo moral", declarou o recém-nomeado presidente do comitê negociador, o egípcio Ramy Youssef.
Os "bilhões de dólares que são perdidos anualmente devido à transferência de lucros, à concorrência fiscal perniciosa e aos fluxos financeiros ilegais" privam, "em particular, os países mais vulneráveis de recursos críticos", insistiu.
Para Shari Spiegel, do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, "as normas fiscais internacionais devem evoluir com um mundo em transformação" para serem úteis "a todos os Estados e todos os povos", e saudou este "momento histórico".
Sob a pressão dos países africanos, que querem um lugar na mesa de negociação das normas fiscais internacionais - ao mesmo tempo que exigem uma reforma da arquitetura financeira internacional -, a Assembleia Geral da ONU adotou a ideia de uma "convenção quadro" deste tipo em 2023 para que a cooperação fiscal seja "plenamente inclusiva e mais eficaz".
O mandato de negociação foi finalmente adotado no fim do ano passado. Entre os princípios de referência estão "garantir uma divisão justa dos direitos tributários, particularmente mediante a tributação equitativa das empresas multinacionais" e "lutar contra a evasão e a fraude fiscais dos particulares ricos".
Hoje em dia, essas questões fiscais internacionais estão principalmente nas mãos da OCDE, "um clube de ricos" que impõe suas regras aos países em desenvolvimento, mais afetados pelas perdas fiscais "em proporção a suas receitas", criticou em conversa com a AFP Ryad Selmani, da ONG francesa CCFD-Terre Solidaire, para quem é "intolerável" que esses países não tenham "nada que dizer" a respeito.
Tove Maria Ryding, da Rede Europeia sobre Dívida e Desenvolvimento (Eurodad), assegura que "as grandes multinacionais e as pessoas mais ricas do mundo continuam utilizando os paraísos fiscais e sonegando impostos", privando os governos de recursos vitais para financiar o desenvolvimento e combater o aquecimento global.
Em um passo histórico, o G20 concordou, em novembro, cooperar para que os super-ricos paguem impostos "efetivamente".
Um imposto de 2% ao patrimônio dos super-ricos poderia gerar recursos da ordem de 250 bilhões de dólares (cerca de R$ 1,5 trilhão) por ano para serem investidos no enfrentamento dos desafios sociais e ambientais de nosso tempo, afirmou o economista Gabriel Zucman, promotor da iniciativa.
- Paraísos fiscais -
Segundo a ONG Tax Justice Network, os governos perdem anualmente 492 bilhões de dólares (cerca de R$ 2,9 trilhões) em impostos devido à utilização de paraísos fiscais. Quase metade (43%) dessas perdas são possíveis graças às políticas fiscais de oito países (Austrália, Canadá, Israel, Japão, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Reino Unido e Estados Unidos) que votaram contra o mandato da futura Convenção, segundo a ONG.
Nesse contexto, a sessão inaugural desta semana será crucial para determinar se o comitê negociador decidirá por maioria ou por consenso.
Nesta segunda-feira, a União Europeia defendeu o consenso, assinalando que, se não for assim, os 27 Estados-membros podem não participar da futura Convenção.
Mas as ONGs rechaçam a ideia de uma decisão por consenso, que daria a cada país o poder de veto.
"Seria uma heresia dar aos Estados Unidos de Donald Trump o poder [...] de bloquear todo o processo", comentou Ryad Salmani, dado que, após retornar à Casa Branca, o presidente americano retirou os Estados Unidos do acordo da OCDE sobre um imposto mínimo de 15% sobre os lucros das multinacionais.
O mandato poderia, inclusive, permitir debater novos recursos fiscais. "Alguns países, como a França, estão pressionando para que se estabeleçam impostos globais sobre o transporte marítimo e aéreo" para financiar a ação pelo clima, explicou à AFP Sergio Chaparro-Hernández, da Rede por Justiça Fiscal.
"A Convenção da ONU poderia ser um veículo para aplicar algumas dessas soluções", acrescentou. "Mas será preciso discutir isso com todos os países".
* AFP