O Estado chileno irá assumir, pela primeira vez, a busca de 1.162 presos desaparecidos durante a ditadura, anunciou nesta quarta-feira (30) o presidente Gabriel Boric, para esclarecer uma das principais dúvidas da Justiça, 50 anos após o golpe militar liderado por Augusto Pinochet.
Durante décadas, a busca dos desaparecidos ficou a cargo quase exclusivamente das famílias, que encontraram os restos mortais de apenas 307 pessoas. "Este número deve doer e fazer nosso sangue queimar, porque dá conta da magnitude da dívida que temos, como Estado e como sociedade", disse Boric ao lançar o Plano Nacional de Busca da Verdade e da Justiça, primeira iniciativa oficial desse tipo e uma de suas principais promessas de governo.
Boric assinou o decreto que oficializa o plano durante cerimônia nos arredores do palácio presidencial de La Moneda, da qual participaram ministros e parentes das vítimas, mas não as forças opositoras de direita.
A dias de se cumprirem cinco décadas do golpe de Estado que derrubou o governo do socialista Salvador Allende e estabeleceu os 17 anos da ditadura de Pinochet, governismo e oposição se mostram divididos sobre como abordar esse aniversário.
- Demora da Justiça -
Com financiamento estatal, o plano de busca tem como objetivo reconstituir a trajetória das vítimas após a sua prisão e o seu desaparecimento. Também busca garantir o acesso à informação dos familiares e implementar medidas de reparação.
A busca será, agora, um dever permanente do Estado, e não apenas das famílias, disse Boric, emocionado, reconhecendo que "a Justiça demorou muito".
Familiares das vítimas participaram da elaboração do plano. Depois de anos denunciando o abandono do Estado, eles agradeceram ao governo Boric por seus esforços.
"Nenhum outro governo teve essa vontade política que era necessária para que este calvário não seja apenas dos familiares, mas de toda a sociedade e do Estado, que fez nossos familiares desaparecerem", disse, durante a cerimônia, Gaby Rivera, presidente do Grupo de Familiares de Presos Desaparecidos.
A maioria dos desaparecidos eram operários e camponeses, com idade média de 29 anos. As prisões começaram logo após o levante militar, em 11 de setembro de 1973.
Até agora, o principal obstáculo para encontrar os desaparecidos tem sido a pouca colaboração das Forças Armadas, o que os familiares atribuem a um "pacto de silêncio" que se mantém desde a ditadura (1973-1990).
Em uma mesa de diálogo instalada no fim dos anos 1990, os militares aportaram dados de cerca de 200 presos, cujos corpos, asseguraram, haviam sido lançados no mar. No entanto, alguns desses restos mortais foram encontrados em valas comuns.
Entre os compromissos assinados nessa instância, esteve a nomeação de juízes especiais para casos de violação dos direitos humanos ocorridos durante a ditadura. As pistas obtidas a partir desses processos judiciais são a base da informação que o plano de busca anunciado hoje pretende sintetizar.
O ministro da Justiça, Luis Cordero, afirmou hoje que "é evidente que há pessoas que têm informações sobre o destino dos desaparecidos" dentro das Forças Armadas.
Em 1990, com o retorno da democracia, foi criada a Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação, que reconheceu as mais de 3.200 vítimas, incluindo mortos e desaparecidos, deixadas pela ditadura. Em 2003, foi aberta outra Comissão oficial sobre prisão política e tortura, que reconheceu cerca de 38 mil torturados.
* AFP