Na pequena clínica para mulheres em um parque em Antakya, no sul da Turquia, Meltem Günbegi oferece cuidados e suprimentos que suas pacientes não ousam pedir lá fora, em meio à destruição deixada pelo terremoto de 6 de fevereiro.
A médica de 33 anos atende mulheres que perderam tudo - casa, pertences pessoais, memórias - e que devem permanecer em abrigos com acesso limitado a chuveiros e banheiros.
Ali recebem cuidados, roupas, produtos de higiene íntima, tratamentos contra infecções, testes de gravidez e preservativos, embora este último item pareça intocável nas prateleiras.
"Os homens se recusam a usá-los", diz a médica apontando para as caixas pretas intactas.
"As mulheres vêm e discretamente nos pedem contraceptivos, mas o que mais nos falta são as pílulas anticoncepcionais", das quais há uma escassez crônica na Turquia, conta.
O luto, o estresse, a falta de higiene e privacidade, a superlotação em barracas e casas improvisadas contribuem para sobrecarregar o cotidiano das mulheres nas regiões devastadas pelo terremoto que deixou mais de 46 mil mortos na Turquia e outros 6.000 na Síria.
A "clínica" onde Günbegi trabalha, um contêiner laranja com uma placa de papelão, foi montada pela Associação de Médicos Turcos em um parque localizado entre dois bairros de Antakya devastados pelos tremores.
"Em três dias vi três mulheres grávidas em estado de choque", conta ela. "Quando perguntei se elas sentiram o bebê se mexer, elas perceberam que não haviam pensado nisso. Eles encontraram a morte, a destruição e se esqueceram do bebê", relata.
- O peso do dia a dia -
"A situação é difícil para todos, mas as mulheres têm enfrentado grandes dificuldades desde o início e carregam todo o peso do cotidiano nas costas", diz Selver Büyükkeles, uma voluntária da associação Mor Dayanisma, que defende os direitos das mulheres e pessoas LGBTQIA+.
Para ela, "as mulheres se sentem responsáveis pela situação da família, temem um novo terremoto a cada novo abalo. E o ambiente geral, a vida nas barracas, a falta de privacidade, as deixa inseguras", acrescenta.
No entanto, neste contexto, ativistas e médicos consultados pela AFP não observaram mais relatos de violência ou abuso doméstico, apesar do histórico sombrio da Turquia sobre o assunto.
Embora para a secretária-geral da plataforma "We Will Stop the Feminicides" ("Vamos parar os feminicídios"), Fidan Ataselim, seja apenas "uma questão de tempo".
Em 2022, pelo menos 37 mulheres e 39 crianças foram mortas e 793 ficaram feridas, segundo a Women's Review, que compila dados sobre feminicídio.
Atualmente, entre 150 e 200 mulheres estão abrigadas em barracas nesta região e têm contado com o amparo e ações de voluntários.
No Parque da Amizade, perto da clínica feminina, o Partido dos Trabalhadores montou um escritório dois dias após o terremoto e colocou cartazes em turco e árabe para as muitas refugiadas sírias: "aqui, zona segura para mulheres e LGBTQIA+".
Quase 30 tendas ocupadas por voluntários também garantem sua segurança quando vão utilizar o banheiro ou tomar banho.
O Partido dos Trabalhadores, que costuma comemorar o dia 8 de março com uma marcha contra o conservadorismo, desta vez distribuiu presentes para as mulheres nas barracas em comemoração à data.
* AFP