O Prêmio Nobel da Paz foi atribuído nesta sexta-feira (7) a um trio de representantes da sociedade civil de Ucrânia, Rússia e Belarus, três dos principais atores do conflito ucraniano, uma escolha altamente simbólica a favor da "coexistência pacífica".
O prêmio foi atribuído ao ativista bielorrusso preso Ales Bialiatski, à ONG russa Memorial - cuja dissolução foi ordenada pelas autoridades russas - e ao Centro pelas Liberdades Civis da Ucrânia.
"O Comitê Nobel Norueguês deseja honrar três defensores excepcionais dos direitos humanos, da democracia e da coexistência pacífica nos três países vizinhos que são Belarus, Rússia e Ucrânia", disse sua presidente, Berit Reiss-Andersen.
Como os especialistas esperavam, o comitê quis enviar uma mensagem contra a guerra na Ucrânia, que mergulhou a Europa na mais séria crise de segurança desde a Segunda Guerra Mundial.
Os cinco membros do comitê, porém, evitaram criticar diretamente o presidente russo, Vladimir Putin, que iniciou a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro.
Reiss-Andersen, no entanto, destacou que o governo russo, "assim como o governo de Belarus, representa un governo autoritário que reprime os ativistas pelos direitos humanos".
Além disso, ela instou Belarus a libertar Ales Bialiatski, presidente fundador do centro para a defesa dos direitos humanos Viasna ("Primavera", em bielorrusso), preso após as manifestações maciças de 2020 contra a reeleição do presidente Alexander Lukashenko, considerada fraudulenta pelos países ocidentais.
- Documentação de crimes -
A esposa de Ales Bialiatski, Natalia Pinchuk, declarou à AFP que estava "cheia de emoção" e aplaudiu "o reconhecimento do trabalho de Ales, seus colaboradores e sua organização".
A líder da oposição bielorrussa, Svetlana Tikhanovskaya, considerou no Twitter que "o prêmio é um importante reconhecimento para todos os bielorrussos que lutam pela liberdade e pela democracia".
Belarus, por sua vez, criticou a decisão do comitê.
"Nos últimos anos, as decisões - e estamos falando do Prêmio da Paz - são tão politizadas que Alfred Nobel está se revirando no túmulo", reagiu no Twitter o porta-voz da diplomacia bielorrussa, Anatoly Glaz.
Por sua vez, a Memorial é a principal organização de defesa dos direitos humanos da Rússia. A Suprema Corte do país ordenou a dissolução da estrutura central do grupo, chamada Memorial International, em dezembro de 2021.
Além de montar um centro de documentação sobre as vítimas do stalinismo, Memorial coleta e arquiva informações sobre a repressão e violações de direitos humanos na Rússia.
Logo após o anúncio do prêmio, a ONG falou sobre o processo aberto contra ela na Rússia. "Enquanto o mundo inteiro nos parabeniza pelo Prêmio Nobel, está ocorrendo um processo no tribunal de Tverskoi [em Moscou]" contra o grupo, denunciou.Pouco depois, o tribunal ordenou buscas nos escritórios da ONG na capital.
Um de seus fundadores, Lev Ponomarev, se disse honrado pelo prêmio, mas afirmou que preferiria que a distinção fosse concedida aos presos políticos russos.
"Penso en [Alexei] Navalny, penso em Vladimir Kara-Murza, penso em Ilia Yachin", três opositores do Kremlin, disse Ponomarev à AFP.
- 'Que a justiça seja feita' -
Desde a invasão russa do território ucraniano, o Centro para as Liberdades Civis da Ucrânia, fundado em 2007, intensificou seus esforços para identificar e documentar crimes de guerra supostamente cometidos pelas forças russas contra civis ucranianos.
"Em colaboração com parceiros internacionais, o centro desempenha um papel pioneiro, para fazer com que os culpados prestem contas por seus crimes", assinalou o Comitê Nobel Norueguês.
A presidente da ONG afirmou hoje que Putin deveria ser julgado por um "tribunal internacional".
"É necessário criar um tribunal internacional e levar Putin à justiça" para "oferecer às centenas de milhares de vítimas de crimes de guerra uma oportunidade para que a justiça seja feita", declarou Oleksandra Matviichuk no Facebook.
Em 23 de setembro, investigadores da ONU acusaram a Rússia de cometer crimes de guerra "em larga escala" na Ucrânia.
Moscou também foi acusado de cometer massacres após a descoberta de dezenas de corpos de civis em Butcha, perto de Kiev, e de centenas de corpos em Izium, uma região libertada pelas tropas ucranianas no mês passado.
Após o anúncio, a presidência ucraniana afirmou que "o povo ucraniano é o principal artífice da paz".
- 'Poder da sociedade civil' -
Os premiados "demonstram o verdadeiro poder da sociedade civil na luta pela democracia", declarou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no Twitter.
No ano passado, o Nobel da Paz premiou dois jornalistas defensores da liberdade de expressão, a filipina Maria Ressa e o russo Dmitry Muratov, cujos respectivos meios de comunicação estão ameaçados.
O prêmio consiste em uma medalha de ouro, um diploma e uma quantia de 10 milhões de coroas suecas (cerca de 900.000 dólares) a serem divididos entre os vencedores.
A distinção será entregue em uma cerimônia em Oslo, na Noruega, em 10 de dezembro, aniversário da morte do criador dos prêmios, o inventor e filantropo sueco Alfred Nobel, falecido em 1896.
É o único dos prêmios Nobel entregue em Oslo, já que os demais são concedidos em Estocolmo.
A temporada do Nobel deste ano terminará na próxima segunda-feira, com o anúncio do vencedor do prêmio de Economia.
* AFP