Protestos e barricadas no centro de Santiago e um chamado do presidente Gabriel Boric ao diálogo para avançar nas reformas marcaram nesta terça-feira (18) o terceiro aniversário da convulsão social que sacudiu o Chile com grandes manifestações pedindo igualdade.
Um total de 2.300 pessoas participaram do dia de protestos, uma convocação menor do que nos dois anos anteriores, mas houve incidentes graves em Santiago, com a queima de um caminhão e o roubo de dois ônibus públicos para roubar lojas durante a noite. Na região de Coquimbo (norte), uma multidão apedrejou o prédio do governo regional.
"Foram cerca de 50 detenções, 13 carabineiros feridos e cerca de 700 pessoas saíram para cometer crimes" em nível nacional, declarou o subsecretário do Interior, Manuel Monsalve.
Centenas de pessoas, em sua maioria estudantes, reuniram-se nas proximidades da Praça Baquedano de Santiago, epicentro dos protestos e rebatizada como "Praça da Dignidade" há três amos.
Em 18 de outubro de 2019, o aumento da tarifa do metrô em Santiago desencadeou protestos estudantis que acabaram em fortes confrontos com a polícia.
Foi o estopim de uma violenta explosão social em todo o país, a pior desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), que rapidamente se ampliou contra todo o modelo econômico.
Alguns dos protestos contra o então governo de direita de Sebastián Piñera incluíram ataques incendiários ao metrô da capital e saques ao comércio.
O balanço foi de trinta mortos e cerca de 400 feridos nos olhos por atos das forças de segurança, que também denunciaram milhares de agentes feridos.
O centro de Santiago reuniu as maiores das 345 manifestações registradas entre 18 de outubro de 2019 e 20 de março de 2020, quando a pandemia de coronavírus chegou ao país e deteve a efervescência social, segundo contagem do Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH).
- 'Não ganhamos nada' -
"Continuamos na mesma, não ganhamos nada", disse à AFP a trabalhadora social Andrea Valdebenito na Praça Baquedano. Os manifestantes interromperam o trânsito na central Avenida Alameda e várias estações ferroviárias precisaram fechar suas portas por distúrbios em seu exterior.
A polícia ocupou o local com centenas de agentes da tropa de choque e usou gás lacrimogênio e jatos d'água para dispersar os manifestantes.
Lixeiras públicas, pedras e até troncos de uma árvore pequena foram usados pelos manifestantes para enfrentar a polícia. "Não são 30 pesos, são 30 anos", dizia um cartaz trazido pelos manifestantes, em alusão ao aumento do valor do bilhete do metrô, gatilho das manifestações de 2019.
Barricadas com fogo foram produzidas mais cedo na periferia de Santiago. Cerca de 25 mil policiais foram mobilizados em nível nacional. O comércio fechou mais cedo e algumas lojas nem mesmo abriram no centro de Santiago, onde se esperava um aumento dos protestos durante a tarde.
Um mês e meio antes do aniversário da "explosão social", 62% da população rejeitou a proposta de uma nova Constituição elaborada por uma Assembleia para atender às demandas por igualdade social.
A mudança da Constituição herdada da ditadura de Pinochet foi a saída política encontrada para canalizar os protestos. Após a rejeição da primeira proposta, as forças políticas discutem agora para estabelecer um novo processo constitucional.
"Se for mantida a atual Constituição, as pessoas irão continuar protestando", afirmou o manifestante e contador Lucas Pérez, 23.
- Boric pede diálogo -
O presidente de esquerda Gabriel Boric fez um discurso no qual pediu diálogo para concretizar as reformas que motivaram as manifestações há três anos.
Ele garantiu que "esforços foram empenhados" mas "as reformas para resolver a debilidade dos direitos sociais dos chilenos e chilenas não foram concretizadas".
"A explosão social não foi uma revolução anticapitalista e tampouco (...) uma onda de delinquência", disse.
"Foi uma expressão de insatisfação e divisões em nossa sociedade que a política, da qual fazemos parte, não soube interpretar nem dar respostas", acrescentou Boric, ex-líder estudantil que em 2019 era deputado e apoiava as manifestações.
"A explosão social foi um campo fértil para a expansão de condutas violentas destrutivas, que também deixaram vítimas e sequelas (...) Essa violência se voltou contra as próprias causas da explosão ao produzir uma crescente onda de rejeição na sociedade, cansada de ver como o vandalismo destruiu os bairros, o comércio e o patrimônio", apontou Boric.
O presidente chileno, que assumiu em 11 de março, se comprometeu a construir "pontes de diálogo com setores políticos que não pensam como nós" para avançar em uma educação pública de qualidade, saúde universal e melhores aposentadorias.
* AFP