Os Estados Unidos declararam oficialmente, nesta segunda-feira (21), que a violência do exército de Mianmar contra os muçulmanos rohingyas, que obrigou mais de 700.000 pessoas a fugir do país, representa um caso de genocídio e de crimes contra a humanidade.
Trata-se do mais recente capítulo na longa e tumultuada história desta comunidade, uma das maiores populações apátridas do mundo.
Quase um milhão de rohingyas viviam no estado de Rakhine, no oeste de Mianmar, de maioria budista, antes de grande parte dessa comunidade ser forçada a fugir da região durante uma dura campanha de repressão do exército em 2017.
As dúvidas sobre suas origens e identidade ainda são muito contestadas, provocam debates acalorados e estão por trás de muitas das discussões recentes.
- Uma longa história -
Segundo alguns especialistas, os rohingyas são descendentes de comerciantes árabes, turcos e mongóis e de soldados que, no século XV, emigraram para o estado de Rakhine, antes chamado de Reino de Arakan.
Outros historiadores dizem que emigraram de Bangladesh em ondas diferentes, uma teoria muito espalhada em Mianmar.
Durante séculos, a minoria muçulmana do país conviveu de forma pacífica com a maioria budista no reino independente.
O conflito começou a partir do final do século XVII, quando o reino foi conquistado pelos birmaneses e mais tarde pelos britânicos.
Como parte de sua política de "divida e vencerá", os britânicos favoreceram os muçulmanos, recrutando-os como soldados durante a Segunda Guerra Mundial e colocando-os em confrontos com budistas aliados aos japoneses, enquanto o conflito se desenvolvia em território birmanês.
Seu status se fortaleceu em 1947 quando uma nova Constituição foi redigida, concedendo-lhes plenos direitos legais e de voto.
- Recente perseguição -
O golpe militar de 1962 inaugurou uma nova era de repressão e, em 1982, uma lei removeu seu status de minoria étnica reconhecida no país.
A maioria vivia em Rakhine, mas teve a cidadania negada e começou a ser assediada, limitando sua capacidade de se locomover e impondo restrições ao seu trabalho. Centenas de milhares de rohingyas fugiram para Bangladesh em sucessivas ondas de violência, em 1978 e 1991-92.
Por causa do uso de um dialeto semelhante ao falado em Chittagong, no sudeste de Bangladesh, os rohingyas são desprezados por muitos birmaneses, que os veem como imigrantes ilegais e os chamam de "bengali".
Depois que a junta militar foi dissolvida em 2011, o país viu um aumento no extremismo budista que marginalizou ainda mais os rohingyas e marcou o início da última era de tensões.
- Estupros, assassinatos e outras atrocidades-
A violência sectária entre os muçulmanos sunitas rohingyas e as comunidades locais budistas começou em 2012, deixando mais de 100 mortos.
Dezenas de milhares de rohingyas fugiram do país nos cinco anos seguintes, para Bangladesh e outros países do sudeste asiático, viajando por mar em perigosas expedições organizadas por redes de traficantes.
Apesar de décadas de perseguição, os rohingyas evitaram a violência ao máximo. Mas em 2016, um grupo militante pequeno e até então desconhecido, o Exército de Salvação Rohingya de Arakan (ARSA), realizou uma série de ataques letais contra as forças de segurança.
O exército de Mianmar respondeu com uma brutal e massiva campanha de repressão: estima-se que 391.000 rohingyas fugiram para Bangladesh em 2017, segundo as Nações Unidas, trazendo consigo histórias apavorantes de assassinatos, estupros e outras atrocidades.
- Falsas esperanças-
Aung San Suu Kyi, opositora que foi elogiada internacionalmente por décadas de resistência à junta, após ser eleita como dirigente de fato do país, não só ignorou os abusos aos rohingyas, como também defendeu a conduta do exército e em 2019 viajou para Haia para rebater as acusações de genocídio no tribunal superior da ONU.
Em fevereiro de 2021, os mesmos generais que a defenderam voltaram a prendê-la enquanto o país sofria outro golpe de Estado. A junta atual alega que o tribunal da ONU não tem jurisdição e pediu que o caso seja arquivado.
* AFP