O governo panamenho anunciou nesta quinta-feira (17) o início de uma investigação sobre possíveis esterilizações realizadas em um hospital público de mulheres indígenas sem seu consentimento, enquanto uma comissão legislativa antecipa um inquérito para levar este escândalo à justiça.
"O Ministério da Saúde iniciou uma investigação relacionada a supostos procedimentos cirúrgicos" para a esterilização "sem o devido consentimento dos pacientes", informou o governo em um comunicado.
Além disso, continua a nota, as autoridades sanitárias pediram "relatórios" a várias regiões do país.
A decisão de abrir uma investigação ocorre horas depois de a ministra da Saúde encarregada, Ivette Berrio, manifestar que não havia "dados reais e confiáveis" sobre as esterilizações de mulheres indígenas sem sua permissão.
No Panamá, "se não há consentimento informado, não se realiza nenhum procedimento" de esterilização, disse Berrio ao canal panamenho TVN-2.
Berrio culpou a oposição por promover denúncias sem provas a fim de afetar o trabalho governamental, apesar de a comissão legislativa que investiga as denúncias ser integrada por deputados governistas.
"Este é um tema extremamente culminante, também entendo a necessidade dos opositores de jogar este tipo de bomba para distrair a população das coisas fundamentais", disse Berrio.
- Ex-ministro "tinha conhecimento" -
As declarações da ministra ocorrem após as denúncias difundidas pela deputada suplente Walkiria Chandler, segundo as quais cerca de dez mulheres foram submetidas ao procedimento sem seu consentimento.
"Me chama a atenção que a ministra desconsidere um tema tão relevante como as possíveis esterilizações de uma população indígena alegando conspirações políticas, me parece que ela deveria ser um pouco mais séria", disse Chandler à AFP.
Segundo a parlamentar, o ex-ministro da Saúde, Luís Francisco Sucre, que se afastou por problemas de saúde, teve conhecimento destas queixas.
A denúncia foi feita a uma delegação da Assembleia Nacional - da qual Chandler era membro - durante uma visita em outubro de 2021 à comunidade de Charco La Pava, uma área montanhosa de difícil acesso na província de Bocas del Toro, no noroeste do país.
O grupo se deslocou até a localidade, habitada por indígenas Ngäbe-Buglé, para atender a uma possível doença parasitária em crianças, quando várias mulheres denunciaram as esterilizações.
Segundo Chandler, após esta visita, a Comissão da Mulher, da Infância, da Juventude e da Família da Assembleia Nacional emitiu uma nota ao então ministro Sucre, perguntando sobre as denúncias e pedindo, sem sucesso, seu comparecimento perante o órgão legislativo.
- Extremamente grave -
As indígenas relataram que aquelas que realizaram seus partos no centro médico perderam sua capacidade reprodutiva, enquanto aquelas que deram à luz em suas comunidades não foram afetadas.
"As mulheres se aproximaram de nós, como figuras de autoridade, e nos contaram que elas estavam sendo esterilizadas sem seu consentimento", disse Chandler.
"Me preocupa porque no fim do dia o que nós queremos saber é o que aconteceu, como aconteceu e que a opinião pública não seja distraída", acrescentou a parlamentar.
A deputada e presidente da Comissão da Mulher, Zulay Rodríguez, disse à AFP que nos próximos dias será criada uma subcomissão legislativa para investigar os fatos.
"É extremamente grave e vamos investigá-lo", disse Rodríguez, do governista Partido Revolucionário Democrático (PRD, social-democrata). "Isto que aconteceu não vai ficar impune", acrescentou.
- Muitos casos na América Latina -
A vice-presidente da Assembleia Nacional, Kayra Harding, foi nesta quinta-feira à sede central da Procuradoria (geral) para pedir formalmente "que se façam as investigações respectivas e se puna quem for considerado responsável".
"Que nossas mulheres sejam esterilizadas sem sem consentimento é um fato grave", acrescentou Harding, do governista PRD.
Especialistas asseguram que os fatos denunciados no Panamá são mais disseminados do que se pensa na região, especialmente entre as comunidades indígenas.
Na América Latina há "muitas denúncias" de "esterilização forçada e esterilização sem consentimento das mulheres", declarou à AFP Claire Nevache, pesquisadora associada do Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais do Panamá (Cieps).
"A população indígena é uma população em um estado de particular vulnerabilidade de seus direitos humanos. Isto está muito claro", acrescentou a cientista política.
Além disso, por este caso, o Panamá se expõe a ações internacionais pela "gravidade" das denúncias, concluiu Nevache.
* AFP