A mãe de Mohamed, um adolescente de 14 anos assassinado no início de março, não lavou a roupa do filho para se lembrar de seu cheiro. O garoto foi mais uma vítima da criminalidade que assola a comunidade árabe em Israel, uma questão crucial nas próximas legislativas.
Era uma tarde como qualquer outra em Jaljulia, uma pequena cidade a nordeste de Tel Aviv, no limite com a Cisjordânia ocupada. Mohamed Adas saiu com seu amigo Mustafa para comprar pizza, quando seus pais ouviram tiros.
Na rua, seu pai, Abdelrazak, viu Mustafa, de 12 anos, gravemente ferido no chão. Então, 20 minutos depois, encontrou seu filho, no meio de uma poça de sangue.
"Ninguém sabe quem atirou, nem o por quê", disse Abdelrazak à AFP.
"O que eu sei é que a polícia está a 20 metros daqui e, se meu filho fosse judeu, haveria helicópteros por toda a parte", indignou-se.
O crime e a violência intracomunitária que afetam a minoria árabe, 20% da população israelense, estão no centro da campanha para as eleições legislativas de 23 de março, a quarta em menos de dois anos.
Os árabes israelenses, descendentes de palestinos que permaneceram em suas terras após a criação de Israel em 1948, afirmam ser vítimas de discriminação por parte da maioria judia e criticam a falta de interesse da polícia e das autoridades em protegê-los e investigar os crimes.
Segundo a ONG Abraham Initiative, que trabalha pela coesão entre cidadãos árabes e judeus em Israel, Mohamed é o 23º árabe assassinado desde o início do ano. Em 2020, mais de 90% dos tiroteios foram em localidades árabes, segundo a polícia israelense.
- Qual estratégia seguir? -
Kifah Aghbaria, de 39, perdeu quatro membros de sua família no ano passado. Todas as sextas-feiras, há semanas, esta mulher sai para protestar com centenas de pessoas em frente à delegacia de polícia de Umm al Fahm, uma grande cidade no norte de Israel.
Primos, ou irmãos, com idades entre 20 e 30 anos, todos foram baleados pela "máfia", porque se levantaram contra esses criminosos, aponta.
Os policiais "têm câmeras por toda a parte, como não conseguem encontrar os criminosos?", questiona, desesperada.
Procurada pela AFP, a polícia israelense diz "trabalhar dia e noite" para prender os autores destes crimes e afirma ter apreendido "milhares" de armas em 2020.
À medida que as eleições legislativas se aproximam, porém, Suheila, mãe de Mohamed, não acredita nas promessas do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que, em uma operação incomum para se aproximar da comunidade árabe israelense, prometeu "ganhar" a "guerra" contra a "criminalidade" nas cidades árabes do país.
Diante disso, a comunidade está dividida: para resolver essa situação, deve se aliar, ou não, ao poder?
Nas últimas eleições, em março de 2020, a "Lista Unida" dos partidos árabes conquistou um número recorde de cadeiras no Parlamento. Desde então, contudo, essa coalizão de quatro partidos perdeu uma das legendas, o movimento islâmico do deputado Mansur Abbas, que disse estar "disposto" a trabalhar com Netanyahu contra a violência.
- "Ridículo" -
"Netanyahu e a direita não podem ser nossos sócios!", reclama o deputado da "Lista Unida" Yussef Jabareen.
"Tenta de uma forma ridícula obter a ajuda da comunidade árabe, como se não lembrássemos que é responsável por leis e políticas racistas", rebate, referindo-se à lei do Estado-nação (2018) que aboliu o árabe como língua oficial.
Para combater a criminalidade, o governo desbloqueou 150 milhões de shekels (US$ 454 milhões) em uma campanha de informação sobre a violência, criando uma unidade especial, apreendendo armas ilegais e construindo e ampliando delegacias de polícia nos setores árabes.
"A questão não é criar mais postos policiais, mas mudar a política em relação aos árabes", insiste Jabareen, especificando que o desemprego nesta comunidade é superior à média nacional, o que explicaria em grande parte o aumento da violência.
Em Jaljulia, Abdelrazak não consegue tirar da cabeça a imagem de seu filho e de seu amigo no chão. De vez em quando, vai ao quarto de Mohamed para ver se ele está lá.
"Isso não interessa a ninguém", desabafa.
* AFP