Para as marcas, comunicar por oportunidade de calendário pode, por um lado, facilitar a vida de quem planeja e ser uma maneira de entrar na conversa do momento. Por outro, criar com pouco entusiasmo e sem um envolvimento genuíno pode gerar descrédito no melhor dos casos e uma crise no pior. Minha intenção com este artigo é contribuir com a conversa sobre o mês do orgulho, apontando uma teoria para a fobia contra a comunidade LGBTQIAP+ e caminhos para que essa pauta ganhe força, brilho e cada vez mais cores.
Por que tanto ódio?
O real em psicanálise se refere a um registro da nossa experiência impossível de ser simbolizado. Se não podemos exprimir em palavras o real ele é, portanto, traumático. Fonte de profunda angústia, é a nossa relação com essa instância que constitui nossas fobias, nossa errância e nossa relação conflituosa com o outro. E o outro é isto: aquilo que, diferindo radicalmente de mim, coloca em cena o real do sexo e o impossível do encontro sexual, paraíso mítico da igualdade. Nesta equação, o medo do diferente posto em cena pelo real é o que pode, pela perspectiva psicanalítica, falar do preconceito e da violência contra gays, lésbicas, travestis e todos aqueles que não se identificam como cis-heteros.
Por séculos, foram as mulheres que encarnaram esse real no corpo. O fascínio e a repulsa pelo corpo feminino foram capitalizados pelo patriarcado com as consequências que conhecemos. Aos poucos, graças à luta feminista, as mulheres conquistam a dignidade e como ainda não inventamos um jeito de produzir riquezas sem exploração de algum corpo, outros são relagados ao real ininteligível do sexo: as pessoas LGBTQIAP+. Sem palavras para dizer, para conhecer e para saber o que move e o que caracteriza o desejo dessas pessoas, todos estes são relegados ao papel de subalternos. Potenciais perigos para uma suposta normatividade.
Pontes possíveis
Entrar na pauta do orgulho do próximo mês com honestidade significa dar voz a esse corpo subalternizado para que ele fale. Demande. Produza um discurso e, por conseguinte, um saber sobre si mesmo. Isso tem a potência de dignificar o diferente e trazê-lo para mais perto. Não para que se sobreponha, mas para que conviva no mesmo espaço do que é dito normal, o público. Há também que se enfrentar o que ainda não foi dito ou explorado: interseccionalidade entre gênero, raça e orientação sexual, a emergência da bifobia – inclusive entre a própria comunidade – a profusão de novas tecnologias de proteção contra ISTs e muito mais.
O universo LGBTQIAP+ é vasto e a contribuição da comunidade para a cultura humana não é desconhecida. Pelo contrário, desde o começo da nossa história a criação LGBTQIAP+ tem produzido saberes, histórias e quereres que nos alimentam de emoção e entusiasmo. Da antiguidade clássica aos memes! É também muito bem sabido a demanda dessas pessoas por um envolvimento genuíno das marcas com relação às pautas políticas de inclusão profissional, financiamento e manutenção de espaços de resistência. Precisamos construir mais pontes entre nós para simbolizar esse mal estar difuso que, muitas vezes, a diferença do outro nos provoca e atravessa. Sem isso, tudo entre nós fica mais pobre. E mais real.