“O fim da publicidade está próximo”, declarou, há cerca de cinco anos, um pesquisador da Forrester.
Citando o relatório de 2017 da consultoria sobre o assunto, o pesquisador explicou que, cada vez mais, “os consumidores têm opções para conseguir o que querem sem interrupções”. Esta não era um pensamento incomum na época. Um livro publicado naquele mesmo ano, intitulado sem rodeios, The End of Advertising (O fim da propaganda, em tradução livre), trazia um argumento semelhante: “As ruínas dos anúncios estão caindo sobre nós”, resumia a cópia promocional. “Hoje, milhões estão baixando software de bloqueio de anúncios, e ainda mais gente está pagando assinaturas para evitar anúncios. Essa indústria de US$ 600 bilhões está agora caminhando para a extinção total depois de ter dado como certo um público cativo por muito tempo, levando a anúncios preguiçosos, superabundantes e irritantes.”
Se você estivesse procurando por uma única empresa que incorporasse essa linha de pensamento, poderia fazer pior do que apontar para a Netflix. Líder da “revolução sem publicidade”, como um observador colocou recentemente, a gigante do streaming se tornou um sucesso monstruoso precisamente por causa de sua ênfase em uma experiência de visualização de qualidade – e sem interrupções. Parte dessa abordagem, que durou anos, envolveu uma perspectiva muito clara sobre a publicidade.
Para citar o CEO Reed Hastings: “Nenhuma publicidade chegará à Netflix. E ponto final.”
Recentemente, contudo, a Netflix anunciou que a publicidade está chegando sim ao seu território. Os detalhes são nebulosos, mas talvez ainda este ano a empresa introduza uma versão que suporta por anúncios, como forma de impulsionar o crescimento de assinantes, principalmente no exterior. Em parte, isso se deve às necessidades distintas e em evolução da própria Netflix como negócio (a empresa perdeu assinantes pela primeira vez em uma década) e, em parte, à realidade do aumento drástico da concorrência na categoria de streaming de entretenimento, em grande parte com subsídios de propaganda.
Mas se a Netflix mudou de ideia, foi também em função de algo maior: o surpreendente triunfo da publicidade na era digital. Isso contraria, talvez de uma vez por todas, a narrativa sobre o fim da publicidade que há décadas vem sendo reforçada e interrompida.
A ideia geral é mais ou menos assim: antigamente, os consumidores aceitavam passivamente a persuasão comercial que a tecnologia os forçava, em um mundo de escolhas de mídia altamente limitadas e estritamente verticais. A publicidade era uma máquina imparável; Mad Men, a série de tv, era basicamente um documentário!
Então, segundo essa argumentação, veio uma série de mudanças na tecnologia e na mídia — cabo, gravadores de vídeo digital, web etc. — que entregaram mais controle a um consumidor cada vez mais ativo e exigente. Isso foi acompanhado (ou talvez causado, dependendo de quem está contando a história) por uma mudança fundamental no comportamento do consumidor: um desprezo, supostamente novo, pela publicidade. Descansem em paz, Don Drapers!
Claro que é verdade que empresas que surgiram empresas que evitam anúncios, da HBO a uma infinidade de serviços de assinatura premium. E muitos negócios direcionados a anúncios, como redes de TV e jornais, sofreram ou até faliram.
Mas, ao mesmo tempo, algumas das histórias de sucesso de negócios mais incompreensíveis da era digital acabaram sendo puramente orientadas por anúncios. Apesar da resistência inicial de seus respectivos fundadores, o Google e o Facebook tornaram-se gigantes da publicidade. E a mídia da era móvel continua completamente encharcada de mensagens comerciais, desde o mundo obscuro dos “influenciadores” de mídia social até anúncios tradicionais da velha guarda, interrompendo videoclipes e artigos, até mensagens patrocinadas, interrompendo resultados de pesquisa e feeds de conteúdo. (Dados concretos são difíceis de definir, mas, segundo algumas estimativas, um consumidor típico é exposto a até 10.000 mensagens comerciais por dia.)
É por isso que a Netflix dificilmente será a única empresa focada em assinaturas a ceder à publicidade. O Spotify, para citar um exemplo de destaque, está gastando milhões para construir presença em podcasts originais em parte para poder explorar o potencial de anúncio desse gênero. O mundo dos videogames – e, portanto, qualquer que seja o “metaverso” – também é cada vez mais direcionado a anúncios. Até a Amazon obtém receita substancial com publicidade, por meio do que antes parecia uma tática completamente impensável: aumentar suas listagens de produtos com resultados patrocinados.
Em suma, é improvável que experimentemos o “fim da publicidade” tão cedo. Ao contrário, a publicidade persistirá – por mais “preguiçosa, superabundante e irritante” que possa parecer – precisamente porque ela é a base de um modelo de negócios comprovado. A publicidade torna todos os tipos de entretenimento, informação e outros serviços muito mais baratos, ou mesmo gratuitos, para muito mais consumidores. E os consumidores gostam disso.
A atitude atual da Netflix, quando anunciou que se renderia à publicidade, parece um pouco arrogante. A empresa não foi coletando o tipo de dados do usuário que os anunciantes agora cobiçam. Mas o CEO Reed Hastings faz pouco caso e considera essa uma questão “terceirizável”: “Podemos ser um editor direto e outras pessoas fazerem toda a correspondência sofisticada de anúncios, integrando todos os dados sobre pessoas”, disse recentemente. A realidade pode ser um pouco mais complicada do que isso. E, como Jeff Beer, da Fast Company, aponta, anunciantes e marcas podem querer ter uma atitude mais séria e criativa antes de comprar qualquer ideia que a Netflix tenha em mente.
Dito isso, a Netflix está fazendo o único movimento possível como resposta ao comportamento do consumidor no mundo real. Hastings descreveu o novo posicionamento como uma forma de atender aos “tolerantes a anúncios”. Essa é uma descrição interessante, porque descreve simultaneamente ninguém e todo mundo. Praticamente, nenhum de nós escolhe receber anúncios. Mas todos sabemos que absolutamente nenhum de nós pode evitá-los. E ponto final.