Muitas notícias recentes apontam o aumento do empreendedorismo como alternativa encontrada pela população brasileira para driblar a falta de emprego formal nos últimos anos. De acordo com o Sebrae, quase 4 milhões de pequenos negócios foram abertos em 2021. Os números de quantos desses micro e pequenos negócios sobrevivem, infelizmente, costumam ser desanimadores.
Entre outras razões, porque empreender no Brasil é uma tarefa inglória, que exige resiliência, coragem e certo conhecimento de gestão. Não basta abrir um salão de beleza, pois é preciso administrar estoque, negociar com fornecedores, escolher um time e oferecer o melhor serviço possível aos clientes.
Fora esse enorme contingente de desempregados em busca de oportunidade, chegam às ruas anualmente milhares de pessoas egressas do sistema penitenciário, tentando deixar a vida no cárcere para trás. Além de não serem aceitas por boa parte do empresariado nas poucas vagas disponíveis, quem sai da cadeia ainda precisa arcar com os custos da pena de dias-multa, ou simplesmente ‘pena multa’. Significa que, enquanto não pagar a dívida financeira com o Estado, ficará sem documentos e sem cidadania básica. Não à toa a taxa de reincidência entre adultos é de 42%, aponta o Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Uma saída é fazer com que o empreendedorismo comece dentro do cárcere e se estenda além das grades.
O rompimento desse círculo pode – e deve – começar dentro das prisões. Oferecer educação formal é o mínimo que o Estado deve fazer no processo de recuperação dessas pessoas. No entanto, a educação vai além dos livros, ainda mais para quem tem poucas chances de emprego após a liberdade. Dado do Prison Policy Initiative, dos Estados Unidos, apontava a taxa de desemprego, em 2018, próxima a 30% entre os ex-presidiários.
Uma saída, portanto, é fazer com que o empreendedorismo comece dentro do cárcere e se estenda além das grades por meio de cooperativas sociais. A vida passa, assim, a ganhar significado e propósito, com resultados efetivos para quem está dentro e fora da prisão. Por meio de iniciativas autossustentáveis, são gerados valores para o indivíduo e, consequentemente, para a sociedade.
É preciso olhar para essa questão não apenas sob a ótica do impacto emocional, cívico e social. O impacto econômico, certamente, tem peso significativo. Pagamos um preço alto para manter quase 800 mil pessoas presas no Brasil. Cada uma delas custa, em média, R$ 1,8 mil por mês ao Estado, de acordo com o CNJ. A folha de pagamento representa entre 60% e 80% desse total.
De um lado, estão pessoas presas sem condições dignas. De outro, equipes exauridas por tanta pressão. Ao reduzir os índices de reincidência, diminuímos a necessidade de construir mais presídios e começamos a investir dinheiro público onde realmente faz sentido, como nas escolas, no transporte público, na saúde e na segurança.
Projetos atuais de cooperativas sociais em presídios femininos do Maranhão e da Paraíba demonstram claramente que, se quisermos avançar como sociedade, não podemos fechar os olhos para essas mulheres. Temos de enxergá-las como cidadãs, mães, mulheres e eleitoras. A população carcerária feminina no Brasil é uma das maiores do mundo, com cerca de 42 mil mulheres privadas de liberdade no País. Elas cometeram um erro – e estão presas para cumprir suas penas. Planejar a reinserção dessas mulheres, com dignidade e oportunidade, faz parte do processo de empoderamento cívico-social.
A população carcerária feminina no Brasil é uma das maiores do mundo, com cerca de 42 mil mulheres privadas de liberdade.
As empresas também precisam estar engajadas nesse sentido, não basta apenas transferir a responsabilidade para o Estado ou ONGs. É uma luta de todos e quem cruzar os braços pagará um preço alto no futuro. A independência financeira é um dos pilares para combater a violência e a criminalidade, motivo que faz muitas mulheres regressarem à vida do crime.
O empreendedorismo dentro da cadeia não só gera trabalho e vence o ócio como também engaja essas mulheres como cidadãs ativas, para que elas tenham condições de aproveitar a oportunidade de reconstruir suas trajetórias e, dessa forma, viver em um mundo menos violento e desigual.
A partir das cooperativas elas passam a enxergar novas perspectivas onde têm a oportunidade de trabalhar com o sentimento de pertencimento. Aos poucos, elas começam a entender que bolsas, almofadas e tapetes feitos por suas mãos representam muito mais do que “produtos”: são a possibilidade concreta de um novo destino. Nesse momento, elas desabrocham e despertam para uma nova realidade.
Além de aprender a empreender, aprendem também a dividir e colaborar umas com as outras. Ensinamento esse que a maioria nunca foi instruída, não por culpa delas, mas como consequência de uma sociedade machista e díspar de oportunidades, principalmente para as menos favorecidas.
Carregamos medo e preconceito dentro de nós. Estamos acuados como sociedade. A luta para reverter esse jogo é coletiva e não podemos nos privar dela.
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