Foto: Estevam Avellar, TV Globo, Divulgação Foto: Raquel Cunha , TV Globo, Divulgação Crol na capa da Vogue América, em 2007: aposta fashion Com Bento (à frente) e Benoah em Camboriú. Foto: @carolinetrentini Com os filhos Bento (5 anos) e Benoah (2 anos), em clique feito pelo marido, o fotógrafo Fabio Bartelt.
Em uma indústria concorrida e, muitas vezes, até cruel como a da moda, pouquíssimas modelos conquistam - e mantém - uma carreira como a de Caroline Trentini. Aos 31 anos, Carol protagoniza uma longeva e bem-sucedida trajetória, que passa longe dos altos e baixos. Vale dizer, missão nada fácil em uma profissão que, ainda hoje, prioriza a juventude em detrimento da experiência.
Carol Trentini coleciona superlativos. Já foi eleita ícone da moda mundial pelo portal Models, um dos mais respeitados da área. Desfilou para algumas das grifes mais importantes do mundo, como Versace e Oscar de la Renta. Viu seu rosto ser estampado em capas e mais capas de revistas de moda - incluindo as (muitas) aparições na Vogue América, considerada a Bíblia da Moda. É também uma das queridinhas de Anna Wintour, a toda-poderosa editora da edição norte-americana do império Vogue.
– São anos trabalhando com esses stylists, com Anna Wintour, com Grace Coddington... Naveguei naquela época, sendo uma menina nova e fresca, fresh, e depois como uma menina madura, consagrada, e continuar trabalhando hoje também – reflete Carol, sobre ser presença frequente nas páginas da publicação.
Como se não fosse suficiente, a modelo encara mais um desafio a partir do próximo domingo: vai cantar no palco do Popstar, programa da TV Globo que mostra artistas se arriscando no microfone. O convite veio depois que a produção da emissora assistiu a vídeos de Carol cantando no carro, em um momento de descontração compartilhado em seu Instagram. Empreitada desafiadora, que ela enxerga como uma experiência nova - e, garante, não deve a afastar das passarelas.
Mas a carreira de sucesso e o transitar no glamouroso mundo da moda parecem não ter arrancado valores simples e fundamentais de Carol. No papo de quase uma hora com Donna ao telefone, a top reforçou o quanto preza a simplicidade e uma vida descomplicada. Talvez por isso tenha trocado o agito de Nova York, onde o filho mais velho, Bento (hoje com cinco anos), nasceu, e a correria da capital paulista, em que viveu por anos, por Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Se antes a cidade era destino de férias, hoje virou o paraíso particular e ninho para a família que cresce: a modelo é casada com o fotógrafo Fabio Bartelt e é mãe também de Benoah, de dois anos.
– Agora mesmo estou no estacionamento da escola, onde acabei de deixar meu filho, e vou para a reunião sobre uma reforma que estamos fazendo – comentou, sobre a rotina intensa, mas controlada, na nova cidade.
Pouco antes da nossa conversa, aliás, mais uma prova do profissionalismo de Carol. Para evitar que tivéssemos pouco tempo ao telefone, o assessor da modelo entrou em contato com a repórter para avisar que a modelo estava disponível cerca de 15 minutos antes da entrevista - ou seja, poderíamos adiantar a ligação e conversar com mais calma. Pontualidade – apenas um reflexo da ética de trabalho que a top carrega – é um dos fatores a que a top atribui sua carreira sólida e longeva. Um dos ensinamentos da mãe, dona Lourdes, que criou Carol e as duas irmãs mais velhas sozinha (o pai, Oscar, faleceu quando a modelo tinha um ano de idade). A infância humilde em Panambi, no interior do Estado, parece se confundir com a de outras modelos de sua geração. E transparece nos valores que Carol carrega consigo até hoje.
– Sempre fui muito focada. A palavra trabalho sempre foi coisa séria para mim. Acho que (minha carreira) é uma combinação de trabalho duro e sério, gentileza e boas decisões – pondera.
No papo que você confere a seguir, um pouco da visão de Carol Trentini sobre temas que vão além das passarelas: a top fala sobre as conquistas (e anseios) das mulheres, a necessidade de representatividade na moda e os prazeres e desafios da maternidade.
Mais entrevistas de Moda
:: Valentina Sampaio, a modelo mais requisitada da SPFW, é ícone da causa trans:: Alexandre Herchcovitch fala sobre a parceria com o marido na marca À La Garçonne, filhos e liberdade criativa:: Modelo plus size Fluvia Lacerda lança livro e dispara: “Visto tamanho grande, sou gorda e bem-resolvida”
Você trabalha há 16 anos e segue como uma das tops mais requisitadas. Como é ter uma carreira tão estável em uma indústria como a da moda?
Muitas gente me pergunta qual é o segredo de uma carreira longa e sólida, e é uma combinação de várias coisas. Sempre fui muito focada. A palavra trabalho sempre foi coisa séria para mim. Desde a infância, trabalho sempre foi necessário na minha casa. Fui criada pela minha mãe sozinha, meu pai faleceu cedo, então ela sempre valorizou o trabalho. Quando saí de casa para trabalhar, nunca me atrasava. Sempre fui pontual, educada, sempre tratei todos muito bem, do jeito que eu gosto de ser tratada. Acho que é uma combinação de trabalho duro e sério, gentileza e boas decisões. Tomei boas decisões, juntamente com as pessoas que trabalham comigo, no sentido de fazer as coisas na hora certa. Teve a época em que eu fiz todos os desfiles do mundo inteiro, e teve a época em que fiz apenas um desfile. Quando o Fábio e eu decidimos casar, sabia que aquilo também seria um passo na minha vida como um todo. Quando tu dá um passo assim na tua vida pessoal, também reflete na tua carreira, então eu sabia do peso que isso teria. Claro que também fiz escolhas que talvez não tenham sido tão certas, mas, no geral, acho que tomei as decisões certas com as pessoas certas e na hora certa, sabe?
Você falou dos ensinamentos da sua mãe, como o cuidado com o trabalho. Como foi para ela quando você começou na carreira de modelo?
A minha mãe não sabia nada de carreira de modelo. Até hoje ela não é inteirada nisso. Mas adoro receber conselhos dela. São para a vida mesmo, e me serviriam mesmo se eu fosse dona de casa. Mais do que tudo, o que ela me ensinou foi que, quando uma oportunidade vem, se você não agarrá-la, ela passa. Por exemplo, muitas vezes em que eu estava há seis meses fora e queria voltar para o Brasil, aquela voz falava mais alto. Não era ela que me falava, mas o que ela tinha me ensinado estava comigo. Pensava: “Não vou agora, vou fazer esse trabalho e aproveitar a oportunidade”. Agarrei tudo mesmo, e isso veio dela. Quando meu pai faleceu, ela não era empregada, não dirigia, então ela teve que ir com a cara e com a coragem agarrando as oportunidades. Desde trabalhar em solda de ferro, como funcionária pública, professora de creche... Tudo ela ia agarrando, por opção dela. Sempre tive essa garra comigo.
Aos 31 anos, você segue mais atuante do que nunca. Acha que a moda está valorizando mais a experiência das modelos?
A geração digital mudou totalmente a carreira de muitas de nós (modelos). Não sou uma pessoa que fica 24 horas nas redes sociais, mas sei me adaptar também. Saber navegar conforme a maré é muito importante. Às vezes, o potencial da modelo é gigante, ela é linda, maravilhosa, caiu nas mãos certas, mas não soube remar. Tem vezes em que o mais importante é administrar isso. Hoje existe também o conteúdo. Eu sinto que agora tenho uma voz muito mais alta do que quando eu comecei. Na época, a gente não tinha a possibilidade de falar, de discutir, de dar opinião.
Como é ter ultrapassado essa linha e ser uma voz em assuntos que saem da área fashion, como a maternidade?
É gratificante poder ter uma voz, dizer o que penso. Acho essa troca maravilhosa. Nunca precisei escolher entre um e outro (carreira e vida pessoal), sempre consegui conciliar, só que maternidade também é um assunto que me envolve muito. Saúde, educação, amamentação… São bandeiras que eu ergo, e é legal poder ter essa voz. Me sinto privilegiada, porque tem muita gente com coisas para dizer e que não tem essa voz.
Há algo que gostaria de ter feito? E que planeja fazer?
Eu amo revistas de moda, então fazer uma capa de Vogue Itália agora, com essa geração nova, seria incrível. Gosto de gente nova, com uma visão nova do mercado. Não sei se isso seria possível, mas talvez fazer uma temporada de moda inteira pelo mundo de novo... São Paulo, Nova York, Londres, Milão, Paris, do jeito que eu fazia, talvez seja um objetivo muito difícil com a minha logística hoje em dia, com as crianças e tudo, mas seria um desafio legal. Estou superfocada no programa agora, mas no futuro, por que não?
Você é uma das modelos favoritas da Anna Wintour. Como é trabalhar com ela? O que a Anna te ensinou?
Que se a gente trabalha duro, quer muito uma coisa, se a gente é gentil, a gente dura naquilo que faz. Eu sou prova disso. Em 15 anos de profissão, nunca cheguei atrasada no trabalho, nunca me neguei a fazer uma coisa por preguiça ou por qualquer outro motivo, sempre coloquei o trabalho em primeiro lugar. Se eu entro às 9h no estúdio, eu estou disponível, não sou uma pessoa que fica no celular. Sou muito focada e me orgulho muito, ela me ensinou isso.
E agora você estará também no Popstar. Como está sendo essa experiência de cantar?
Pensei: “Agora vou me jogar e fazer uma coisa nova”. São 16 anos de carreira como modelo, mas nunca pisei em um palco, nunca peguei um microfone. É uma experiência rica e desafiadora, acima de tudo. Não estou indo para competir, e sim para participar, me desafiar, provar para mim mesma que eu sou capaz de fazer uma coisa nova, com dois filhos em casa. Estou fazendo malabarismo! Quero provar para todo mundo que está assistindo que eles também podem fazer algo novo, se desafiar e arriscar, porque não há nada a perder.
E pretende fazer TV? É algo que está no seu horizonte?
Hoje não me passa pela cabeça, mas vamos ver como essa experiência vai ser. No final vou poder fazer um balanço se arrisco ou não. Agora, não é meu foco. Estou indo mais pela experiência, não com o intuito de ser cantora ou de trabalhar em televisão.
Hoje você está morando em Camboriú. Como está sendo?
Tem um ano e meio que moro aqui. A família do Fábio é de Itajaí. Mas o nosso negócio foi a logística. Já passávamos férias aqui. Balneário sempre foi um refúgio para a gente. É fácil de chegar: em 40 minutos, estou em São Paulo. É prático para nós e, para as crianças, traz qualidade de vida. Estávamos cansados dessa vida de cidade grande. Precisávamos de um lugar calmo, em contato com a natureza, com mar, então isso pesou na conta. Eu sou gaúcha de coração, sou gremista, nunca vou deixar minhas raízes, mas minha cidade é fora de mão. Foi mais por logística e por ser um paraíso também, com bastante natureza.
E como é a sua relação com o Estado hoje? Vem com frequência? O que curte fazer aqui?
Gosto de rever os amigos, os lugares que eu frequentava. O Rio Grande do Sul está sempre comigo. Tomo chimarrão todos os dias. Todo mundo fala: “Nossa, 15 anos fora e tu ainda não perdeu o sotaque de gaúcha”. Meu sotaque está comigo, as minhas raízes, minhas lembranças... Tenho grupo no WhatsApp com minhas amigas de infância, a gente se fala sempre. Sou muito conectada com o Estado. Mesmo quando eu morava em Nova York, chimarrão, para mim, era uma coisa sagrada.
O que tem de mais legal e mais desafiador em ser mãe de dois guris?
Sou a princesa, a heroína deles. Sendo a única mulher em casa, estou protegida, sabe? Há dias que eu chego em casa cansada, mas eles me enchem de energia. Estão sempre pensando em algo novo, brincam de um jeito diferente... São mais aventureiros. E mais desafiador… Fui criada somente com mulheres em casa, então tudo isso é novo para mim. Desde o fazer xixi com a tampa levantada no banheiro… Se adaptar a esse turbilhão que é o sexo masculino, esse é o desafio. Vou enfrentar mais e mais enquanto eles forem crescendo, na adolescência, mas desafios estão aí para fazer a gente crescer. É um desafio, mas é um desafio bom.
A maternidade impactou sua vida?
É um clichê falar isso, mas eu renasci depois que eu fui mãe. Eu me vi com a mesma pele, o mesmo corpo, em outra alma. Parece que mudou tudo dentro de mim. O que eu pensava sobre a vida, sobre princípios, importância, valores… Tudo tem um tempero muito maior. Realmente, as coisas pequenas têm valor. Nada como ver seu filho dando os primeiros passinhos, falando as primeiras palavras. Eu já era uma pessoa emotiva, sou canceriana, e me tornei ainda mais à flor da pele. Tudo tem um peso gigante dentro da minha casa e as coisas que estão da porta para fora têm um peso muito menor. O ruim não é tão ruim, sabe? E o bom não é tão bom porque o bom é estar dentro de casa, ter saúde e estar bem com eles. Isso me move hoje. Faz eu levantar de manhã e querer viver. Me mudou por completo, sem dúvida.
As mulheres estão se sentindo mais protegidas e incentivadas a denunciar casos de assédio com hashtags como o #MeToo. Como você vê esse movimento?
Nada aconteceu comigo, de constrangimento, assédio, mas a gente sabe que existe. Quem tem o que falar, tem que falar sim. As pessoas têm que entender, de uma vez por todas, que mulher não é o sexo frágil. Então por que achar que não podemos colocar a boca no trombone e denunciar, e se está incomodando? Sou uma grande apoiadora desse movimento todo. Poder amar quem você quiser, ser heterossexual, homossexual, transexual... Amor é amor, e sou uma defensora de que isso é o que importa. Todo mundo tem direito, sim, de ser dono do próprio nariz e fazer o que quiser, contanto que não machuque ninguém e seja dentro da lei. Se você segue o seu coração, não tem por que não ser correto. Precisamos nos unir, sem divisão: mulher, homem, trans, gay, lésbica. Temos que nos amar mais.
Há uma busca por mais diversidade no meio da moda. Como você vê essa mudança?
É incrível. Quando você olha para o lado, não vê somente modelos magras e altas. A população tem vários jeitos, cores e shapes de corpo, então a representatividade é muito importante. Todo mundo merece se ver. A empatia é uma coisa muito forte. Quando você vê uma pessoa e vê que ela está passando pela mesma coisa que você, isso dá força. É o mesmo que ver alguém com quem você se identifica.
Trabalhando no mundo da moda, como é a sua relação pessoal com o assunto? O que gosta de usar na vida, no seu dia a dia?
Sou muito básica e prática. Gosto de jeans, camisa… Estou numa fase de jeans, preto, branco e nude. Mas a moda muda, a gente muda. Tem coisas antigas no meu armário que eu volto a usar, gosto da moda que se recicla, coisas que vão e voltam. E de peças masculinas também, eu pego coisas do Fábio. Mas eu sou básica e clássica.
Leia mais: