Era uma segunda-feira de bastante frio em Gramado – até para os gaúchos – quando Giovanna Ewbank entrou na sala VIP onde, dali a meia hora, concederia uma entrevista coletiva aos profissionais de imprensa que acompanhavam o Salão Internacional do Couro e do Calçado (SICC). Cumprimentou quem ali estava com dois beijinhos e logo avistou a mesa de docinhos, que a fez abrir aquele sorrisão. “Oba, beijinho! Já vou querer”, disse ao garçom, sem cerimônia. Espontânea e divertida, Gio transparece na “vida real” a personalidade espevitada e simpática que nos acostumamos a ver na TV. Gente da gente, sabe?
Depois de mais de uma década como contratada da Rede Globo, onde atuou em novelas como Joia Rara (2013) e Babilônia (2015), Giovanna resolveu aproveitar sua experiência como repórter do Domingão do Faustão e do Vídeo Show para fazer algo que fosse a cara dela. Assim nasceu o Gioh, canal no YouTube lançado há menos de um ano e meio e que já conta com mais de 2,7 milhões de inscritos.
Em quadros como o Na Cama, gravado no próprio quarto da atriz, celebridades (e amigas) como Fernanda Gentil, Bruna Marquezine e Ludmilla revelam segredos e compartilham opiniões sem pudores – e, claro, vestindo pijama. É no canal que Giovanna tem descoberto, a cada vídeo, seu potencial como apresentadora e revelado ao público um pouco mais de sua personalidade.
Deixou para trás de vez aquele estigma de “a mulher do Bruno Gagliasso”, que a acompanhou no início da carreira. Hoje é, para os seus fiéis seguidores, apenas Gio. E basta. Ou a mãe da Titi, título que aceita com um sorrisão no rosto desde que a pequena chegou do Malaui, há cerca de dois anos.
Foi em um Dia das Mães – mais precisamente, no dia 8 de maio de 2016 – que Giovanna e o marido desembarcaram no Brasil com a filha, então com três anos. Um ano antes, Giovanna visitara o país africano a trabalho – e, em sua passagem por lá, aproveitou para conhecer uma ONG americana que cuidava de crianças órfãs. Ali, em meio a tantos outros pitocos, Gio viu Chissomo (depois apelidada de Titi) pela primeira vez. Um verdadeiro encontro de almas, como costuma dizer. Não conseguiram se desapegar.
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Giovanna, que não pensava em ser mãe tão cedo, ligou para o marido na hora: “Bruno, encontrei nossa filha”. Dez viagens, meses e meses de trâmites para legalizar a adoção internacional e até uma “licença-maternidade” de adaptação no próprio Malaui foram necessários para que Titi ganhasse o sobrenome da família. E lá se vão dois anos ao lado da pequena, que ganha milhares de comentários fofos a cada aparição nos perfis dos pais nas redes.
É no reduto dos influenciadores e likes, aliás, que Gio Ewbank conquistou seu espaço. Foi além: sem estar na televisão, arrebatou mais de 14 milhões de seguidores em seu perfil no Instagram, que virou negócio também. Empresta sua imagem para campanhas que vão de sapatos, como a Dumond, a joias, já que é embaixadora da Swarovski no Brasil. Para além dos chamados publis, usa as mídias sociais para falar de temas como a falta de representatividade para as crianças negras. Com leveza e humor, Giovanna transformou-se em uma das influenciadoras mais requisitadas do país, com um papel que vai bem além de sua beleza. Na entrevista a seguir, a atriz e apresentadora fala sobre adoção, igualdade racial, feminismo e ainda relembra sua paixão por moda, que vem desde a infância – e que hoje se converteu um workshop online, ministrado com a mãe e stylist, Deborah Ewbank. Com vocês, Gio!
Entrevista! "Não gosto de falar filho adotivo. É filho do coração"
Você cresceu respirando moda, muito por influência da sua mãe. Como foi ter essa inspiração em casa?
É engraçado porque não sei de onde nasceu minha relação com a moda. Veio da barriga da minha mãe. Como ela sempre trabalhou com moda, primeiro como designer têxtil e hoje como stylist, sempre me vi, desde pequena, no meio de tecidos, criações, viagens para buscar referências. Isso foi inserido na minha vida de um jeito muito natural. Sempre tive essas informações em relação à moda sem nem saber que estavam sendo processadas. O que ela mais me ensinou é que não devemos levar a moda tão a sério. Temos que vestir o que dá vontade, o que faz com que a gente se sinta bem, independentemente do que dizem. A moda está a nosso favor para sermos felizes. O importante é conhecer nosso biotipo para que a gente saiba o que fica melhor, o que é legal abusar ou evitar, mas isso também não é uma regra. Se você quiser usar algo que não vá te favorecer e está feliz com isso, ok também. O negócio é brincar com a moda e ser feliz.
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E a Titi, está seguindo por esse caminho?
Com certeza! A Titi já nasceu introduzida ao dia a dia da moda, de criação, de ensaios... Ela está sempre nas campanhas comigo, vendo o que acontece. Hoje, tem autonomia para escolher as roupas dela. É engraçado que a madrinha dela, que não entende muito de moda, às vezes vai escolher uma roupa, e ela fala: “Dinda, isso não combina!”. Você acredita? (risos) Aí a minha comadre liga e diz: “Eu não estou aguentando a Chissomo falando o que combina e não combina”. As roupas do pai, ela adora escolher. O meu marido sai do quarto, e ela diz: “Não, papai, não põe essa roupa! Vamos sair os dois inteiros de rosa”. Aí ela escolhe a roupa rosa para ela, para ele e leva uma rosa para mim. Já tem essa autonomia, e é a mesma situação que eu vivi.
Você ganhou o prêmio de YouTuber do ano da Glamour, está bombando no Instagram e no seu canal. A internet revelou uma Gio que a gente não conhecia?
Total! Sou muito grata às redes sociais! Acho que deram um espaço muito mais democrático. Deram espaço para as pessoas que não conseguiam se inserir em nichos, como a moda e o entretenimento, que eram difíceis de entrar. Fico feliz de ver muitas pessoas se destacando e se descobrindo através das redes sociais. Foi uma forma de poder mostrar quem eu sou. Sempre trabalhei na Rede Globo, onde fazia personagens. Quando apresentei o Vídeo Show fui muito eu, então as pessoas começaram a me descobrir enquanto Giovanna. Mas, de qualquer maneira, não podia falar da maneira que eu falo. Hoje, com um canal, tenho muita autonomia de falar o que quero, da maneira como quero, e isso é muito libertador.
E você vai estrear como apresentadora do Superbonita. O que pode nos adiantar sobre sua participação?
O Superbonita faz parte da vida de muitas mulheres. Sempre gostei muito de assistir, e agora eles vão reformular. Será um reality, um concurso de maquiagem, com muito mais interação com o público. As pessoas vão poder votar, interagir e estar muito mais dentro do programa. Acho legal porque hoje precisamos dessa interação. Estou bem animada, porque será um formato bem divertido.
Em tempos de ânimos acirrados na internet, como é, para uma pessoa pública como você, declarar-se feminista e falar sobre temas polêmicos?
As redes sociais dão muito essa abertura para a gente falar o que pensa. Vejo as redes sociais como a minha casa. Estou abrindo minha casa e meus pensamentos para as pessoas. Quem está a fim de ouvir e se inteirar das coisas que falo pode entrar. E quem não estiver, beijo e tchau, pode ir para a casa de outra pessoa. Levo muito na boa. Falo de assuntos em que acredito e pelos quais me interesso. Quando alguém vem fazer alguma crítica ou comentário, eu respondo. Falo: “Amor, está tranquilo! Cada um pensa o que quiser. Se você não está feliz, não me segue”. Podemos seguir e ouvir quem a gente quer, e vou sempre falar das coisas em que acredito e que quero falar.
Você e Bruno se tornaram muito atuantes na causa da igualdade racial. Como você fala sobre o tema com a Titi? E como é, para vocês, terem virado referência nessa luta?
Somos brancos e falamos de igualdade racial, o que não é muito comum. Não costumamos ver pessoas brancas querendo tocar nesse assunto. Eu, por ter uma filha negra, comecei a enxergar certas coisas que antes não enxergava, não me dava conta. Vivia, sim, numa bolha. Tento passar para as pessoas que são como eu era a minha visão do mundo hoje. Temos muito caminho pela frente, muitos anos para alcançar a igualdade racial. O racismo no Brasil é muito forte, quase 60% da população brasileira é negra. É uma questão que precisa ser falada diariamente. Muitas vezes, as pessoas não percebem o seu próprio racismo e acham que está tudo certo. Conforme falamos mais sobre o tema, discutimos e questionamos, vamos descobrindo coisas que achávamos que não existiam. Eu e o Bruno tomamos como missão de vida levar essa questão para as pessoas que não enxergam, que vivem em uma bolha como nós vivíamos.
Como você e o Bruno fazem para inserir referências negras na vida de Titi? Vi que você se manifestou, por exemplo, sobre a falta de bonecas negras no mercado...
É um grãozinho, mas que reflete muito essa questão. A Titi tem muitas bonecas negras. Acho que ela deve ter duas ou três bonecas brancas. Mas eu não encontro essas bonecas nas lojas. Elas são enviadas para a minha casa porque a minha filha é conhecida. E as crianças negras que não são conhecidas? Elas vão tentar comprar uma boneca ou um brinquedo com quem se identifiquem, que seja representativo para elas, e não vão encontrar. Isso tem que ser mudado já. Falar sobre isso e mudar essas coisas tem que vir desde pequeno, de casa, na educação. Li no livro do Lázaro Ramos, o Na Pele: ele dá um boneco ou uma boneca negra para todos os amiguinhos dos filhos dele que fazem aniversário. Li isso e adotei para mim. Todas as crianças amiguinhas da Titi que a gente vai presentear eu dou ou um livro em que o personagem principal é negro, ou uma boneca ou um boneco negro. São pequenos gestos com os quais, aos poucos, conseguimos mudar muita coisa na cabeça das pessoas.
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Você e Bruno seguem com um trabalho social no Malauí. Como ajudar as crianças se reflete na sua vida?
Digo que sou uma Giovanna antes da minha primeira viagem ao Malauí e outra depois. Tudo na minha vida mudou. Tudo o que eu pensava, tudo o que me importava. Minha visão de mundo se transformou. E não foi só por conta da minha filha. Essa viagem me transformou e, quando encontrei a minha filha, me transformou por completo. Sempre fiz trabalhos sociais, desde a escola, gostava e me envolvia muito. Nunca foi algo que estivesse buscando, acho que as coisas simplesmente vieram até mim. Temos muitos sinais na vida, muitos caminhos. Vai de você querer segui-los ou não. Estou sempre muito aberta e atenta ao sinais da vida. Esse trabalho no Malauí não foi algo que busquei. Fui a trabalho, me apaixonei pelo país e quis fazer mais por ele. É o país da minha filha e, hoje, é o meu país de coração.
Você comemorou, neste ano, seu terceiro Dia das Mães. O que mudou na sua vida desde o primeiro?
Muda tudo! Passa um filme na cabeça. Os medos que eu tinha antes e hoje não tenho tanto, e em relação a muitas questões em que hoje tenho mais força. Vamos nos transformando a cada ano da maternidade. Passa um filme de tudo pelo que a gente passou, o que a gente aprendeu com os nossos filhos, e também tudo o que vai aprender. Cada ano na maternidade é muito enriquecedor e gratificante, e nos transforma muito. A Titi está uma menina, e ela era um bebê. Hoje, a Titi fala coisas que eu nem acredito que ela possa pensar e falar, sabe? A maternidade é transformadora.
E, na espera pela Titi, foi mais de um ano, né? O que você pode dizer aos pais que estão aguardando o processo de adoção?
Cada processo é diferente. Cada um tem uma história. A minha história ninguém vai ter, assim como a de outros casais eu não vou ter. Temos alguns amigos que fizemos depois da adoção da Titi, e cada um tem sua história, suas questões, dificuldades e alegrias. O que eu posso dizer é que é o maior amor do mundo. Não tenho filho da barriga, mas tenho certeza que não existe diferença.
Recentemente, a atriz Sandra Bullock falou que detesta o termo filho adotivo. Você concorda?
Não gosto nem de falar “adotivo”. Li sobre a Sandra Bullock e achei incrível. Não é filho da barriga, é filho do coração. Quando a gente decide que quer filho do coração, a gente quer muito. Essa é a diferença. Às vezes, a gente pode ter um filho da barriga sem pensar muito, acontece. Mas um filho do coração você quer muito, ama muito e quer muito fazer de tudo para que dê certo e aconteça. O amor deve ser o mesmo, porque não existe amor maior do que o que eu sinto pela minha filha.
À revista VIP, você revelou que já fez terapia por não se achar bonita. Como foi o processo da construção da sua autoestima? O que recomenda para garotas na mesma situação?
Quando conto isso sobre autoestima, as pessoas falam: “Ah, vá, você?”. E, sim, eu tinha baixa autoestima. Sempre fui muito tímida e reservada. Tinha dificuldade de sentar em um lugar assim (na sala em que se deu a entrevista, com outras pessoas acompanhando) e começar a conversar com as pessoas. Eu sou virginiana perfeccionista, então sempre me cobrei muito, sabe? Na escola, tinha que ser a melhor aluna. E, quando não atingia isso, me voltava para dentro e achava que não era capaz. A minha mãe sempre foi muito crítica com ela mesma. Não falo que foi culpa dela porque ela fica péssima quando falo isso, mas foi muito da criação dela que me fez ser mais fechada e não acreditar tanto no meu potencial, apesar de ela me falar sempre que eu tinha esse potencial. Eu me refletia nela. Nossos pais são espelhos. Fiz terapia, trabalhei muito tempo. Mas o que me melhorou muito foi o teatro. Me abri mais para o mundo. Sempre falo para as pessoas fazerem teatro, independentemente de quererem ser atores ou não. Teatro é bom para a vida. Você se abre para coisas que nem imagina que pode. O Bruno também foi essencial na minha vida para me trazer autoestima. O Bruno é muito positivo, e eu sou muito pé no chão. Não crio expectativa em nada. Por exemplo, no meu canal: “Ah, quero ter pelo menos uns 20 mil inscritos, né? Imagina fazer um canal e ter pouca gente”. E o Bruno dizia: “Você vai ter 500 mil, 1 milhão!”. O Bruno sonha alto, tem uma grande expectativa em tudo na vida, e eu não crio expectativa em nada. A gente tem esse balanço, e ele me ajudou muito nisso, a acreditar em mim.