Um câncer pode ter origem em um desentendimento familiar no passado? Um animal doméstico é capaz de saber que o tutor está a caminho de casa? Ou: seres humanos se comunicam também por meio de energia?
A resposta é sim para todas as questões, segundo a constelação familiar, terapia que tem conquistado a preferência de quem busca resolver conflitos na família e lidar com problemas pessoais. A técnica ficou ainda mais conhecida com a exibição da série turca Uma Nova Mulher (2022), na Netflix. Na trama, três amigas participam de uma espécie de retiro no qual trabalham traumas de infância, doenças e relacionamentos por meio desta terapia.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) diz que a terapia não tem base científica e orienta que psicólogos não ofereçam o método a pacientes. Além disso, críticos argumentam que a abordagem desconsidera o sigilo do paciente, reforça preconceitos e expõe vítimas de violência.
Entre posições favoráveis e contrárias, a constelação familiar é utilizada na Justiça brasileira como uma ferramenta de mediação e está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) como método psicoterapêutico.
O nome tem origem no termo alemão “Familienstellen”, cunhado por Bert Hellinger (1925-2019), criador da abordagem. Significa “constelação familiar”, em tradução literal para o português. A polêmica sobre a terapia também está ligada a Hellinger. Os detratores atentam para o fato de ele ter integrado o exército nazista na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Também são citados posicionamentos seus que seriam favoráveis a Adolf Hitler: o autor diz, por exemplo, no livro Um Lugar Para os Excluídos, que o Führer fez “grandes coisas”. E afirma: “Posso encarar Hitler como um ser humano, sem desculpá-lo de nada”.
Outra acusação comum é de preconceito contra homossexuais. No livro Ordens do Amor, Hellinger narra uma constelação familiar na qual a primeira mulher do bisavô de um participante tinha morrido no parto. Durante a dinâmica, ele conta, “coloquei-a (a avó) então atrás dos três irmãos e imediatamente todos ficaram tranquilos. Os três eram homossexuais e um deles se suicidara”.
Esse movimento na sessão (confira neste link como funciona a terapia) revelou uma das dinâmicas responsáveis pelo que ele chamou de “destinos homossexuais”: “Quando não há moças disponíveis, produz-se uma identificação com o sexo oposto. Em outras palavras, um rapaz precisa identificar-se com uma mulher e representá-la, tornando-se com isso homossexual”.
O site oficial do autor o intitula como psicanalista e estudioso de Filosofia, Teologia e Pedagogia, com mais de 110 livros publicados em 38 idiomas. Segundo o pensador, a infelicidade e o fracasso são causados por violações das leis mais importantes da vida, chamadas de “ordens do amor”: hierarquia, equilíbrio e pertencimento.
Para algumas psicólogas, faz sentido que uma terapia dure quatro, seis, 10 anos. Eu sou intensa, quero que as coisas aconteçam rápido. Não é uma promessa de cura, mas é um jeito diferente de ver a vida e se reconectar com os antepassados.
BIANCA LEMOS
Psicóloga e consteladora familiar
A ressonância mórfica
A ideia de campo citada por Hellinger foi ampliada pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake na década de 1980 e é hoje uma das bases da terapia. Sheldrake elaborou a teoria do campo morfogenético ou campo mórfico: o entendimento afirma que campos são criados por seres vivos e atravessam o espaço e o tempo para entregar informações. São estruturas invisíveis e imateriais que “exercem influência sobre sistemas que apresentam algum tipo de organização inerente”, segundo o autor inglês.
E essa interferência, diz Sheldrake, ocorre por meio da chamada ressonância mórfica, processo em que acontecimentos e comportamentos de organismos no passado são capazes de afetar organismos no presente, o que inclui seres humanos. Essa ideia conversa com o “pertencimento”, uma das três ordens do amor de Bert Hellinger.
– Todas as pessoas honram a ancestralidade por amor. Honramos tanto a família, que podemos pegar uma doença que vem se reverberando no campo. Exemplo: a pessoa diz que está gorda e não consegue emagrecer; quando ela vê, essa foi a mesma situação com a mãe, a avó dela. A partir da família, repetimos padrões. Quando dou clareza para isso, um nó energético se dissolve e posso seguir minha vida de um jeito diferente – explica Bianca Lemos, psicóloga e consteladora familiar.O nó citado pela psicóloga está relacionado ao chamado “emaranhado” ou “emaranhamento”, que, para a constelação, é um conflito presente no sistema familiar, um obstáculo para uma vida melhor. Mortes, abortos e doenças graves são exemplos de episódios, que, segundo a terapia, prejudicam o paciente no momento e podem chegar a gerações futuras. O objetivo da terapia é, portanto, ajudar o paciente a “desfazer” o emaranhado.
Bianca pontua que esse sistema conecta todos os componentes da família da pessoa, vivos ou mortos. E não apenas pessoas, acrescenta a consteladora, ao usar o exemplo de pets:
– Cada vez que você pensa em sair do teu trabalho e diz “por hoje, chega, estou indo embora”, teu bichinho de estimação sabe que você está chegando em casa. Não é por causa do barulho do carro, não é por causa do cheiro, é porque ele está sintonizado em ti. A física quântica diz que somos ondas de energia. Também somos “antenas”, emitimos e recebemos ondas: se estamos felizes, é o que vamos emitir. Todo mundo que estiver sintonizado comigo vai receber a minha onda de energia.
Segundo Bianca, é comum que as sessões sejam únicas, pois não são necessárias visitas periódicas, ao contrário da terapia tradicional. O modo como a constelação será – individual ou em grupo – depende da vontade do paciente.
Formada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela conta ter atuado durante a maior parte da carreira “sem acreditar em algo mais que não pudesse ver”, seja na prática com paciente ou em consultas como cliente com outros psicólogos. O entendimento começou a mudar ao participar de sessões de barras de access, um tipo de terapia corporal.
Em 2020, Bianca participou das primeiras constelações, ainda cética. Por fim, gostou da abordagem na vida pessoal e decidiu fazer um curso em São Paulo de formação de consteladores. Desde 2021, oferece a terapia para pacientes de forma presencial e online na zona norte de Porto Alegre.